Mídia no Japão

A FAC Livros lança hoje o livro Mídia no Japão: como as organizações do arquipélago sobrevivem à globalização e à internet, de Claudio Nazareno. Abaixo, a apresentação feita pelo professor João Lanari Bo, da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília.

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O estudo que Claudio Nazareno traz à luz preenche uma lacuna absolutamente vazia no campo das investigações midiáticas sobre o Japão no Brasil, e – não seria exagero supor – no resto do mundo. Certamente nos países do dito primeiro mundo não faltam especialistas em assuntos japoneses, na riqueza da tradição cultural, na alteridade desafiadora e estimulante das especificidades da vida nipônica. No pós-guerra os norte-americanos produziram obras fantásticas, até porquê ocuparam o Japão durante sete anos e julgaram-se portadores de uma missão civilizatória. Os europeus muitas vezes acrescentaram um olhar fino e perspicaz, desde o assombramento das gravuras japonesas pelos artistas impressionistas até a famosa observação de Claude Levi-Strauss, que vale à pena citar:
“Dada a diversidade de elementos que, nos tempos antigos, tinham que competir para formar um tipo étnico, uma língua e uma cultura relativamente homogêneas, o Japão apareceu pela primeira vez como um lugar de encontros e misturas; mas sua posição geográfica, no extremo oriental do Velho Continente, seu isolamento intermitente, também permitia funcionar como um filtro ou, se preferirmos, um alambique destilando uma essência mais rara e mais sutil do que as substâncias transportadas pelas correntes da história que ali vieram para se combinar. Essa alternância de empréstimos e sínteses, de sincretismo e originalidade, parece-me melhor para definir seu lugar e papel no mundo.”
O antropólogo escreveu esse parágrafo em uma conferência no ano de 1988 onde, sem hesitar, confessava sua ignorância diante da densidade dessa tradição: sua intuição,  entretanto, é inspiradora. Quando Roland Barthes considera o Japão como uma fantasia aos olhos ocidentais, está se referindo à impossibilidade de analisar aquela cultura (naquele lugar) na sua condição de estrangeiro, sobretudo um estrangeiro europeu.  Diante dessas asserções, que enfatizam a singularidade e a quase-impenetrabilidade do Japão, qual seria a qualidade particular que permitiria aos investigadores e estudiosos brasileiros ter, senão uma maior proximidade, pelo menos um ponto de partida mais crível para mergulhar no Outro japonês?

A resposta, sem a pretensão de esgotar o tema, é que o Brasil compartilha com o Japão uma extraordinária circunstância histórica: reside no país a maior colônia de descendentes de japoneses em todo o mundo, que aqui aportaram a partir de 1908, no Kasato Maru. Para nós, os japoneses são parte da paisagem social e humana: são atores destacados nesse lento e complexo desdobrar da cultura brasileira, em si mesma uma alternância de empréstimos e sínteses, de sincretismo e originalidade, como disse Levi-Strauss. Um compartilhamento, é preciso dizer, que está ainda muito aquém do potencial de interação, dado que não é algo imediato e fácil: existem barreiras linguísticas, econômicas e outras mais entre os dois países, que demandam esforços contínuos. Mas ele existe e é concreto.
Claudio Nazareno soube explorar uma oportunidade advinda dessa circunstância – a parceria entre Brasil e Japão no sistema ISDB-T de TV Digital, acordada em 29 de junho de 2006 – para realizar um trabalho abrangente sobre a mídia japonesa, no sentido mais amplo da palavra. E foi muito além: as comparações que destaca entre dados japoneses e brasileiros, além de norte-americanos, evidenciam implementações bem sucedidas de políticas industriais e educacionais: sem dúvida, temos muito o que aprender nesses campos. Sublinhe-se que o Japão enfrentou situações difíceis para chegar a esse nível de desenvolvimento, como o histórico de catástrofes naturais (o terremoto de Kanto, em 1923, teve um efeito devastador no arquipélago, inclusive nas indústrias midiáticas) e a escalada belicista que levou à Guerra do Pacífico, como os japoneses se referem ao conflito que se iniciou com a invasão da Manchúria na década de 30 e foi até Hiroshima.
Para Tadao Sato, grande crítico de cinema, o Japão moderno, que começa em meados do século xix com a abertura dos portos pelo Comodoro Mathew Perry, foi obrigado a  conciliar o fim da era medieval com modernização e ocidentalização – esse notável esforço pode ser apreciado nas obras dos grandes mestres do cinema como Kurosawa, Ozu e Mizoguchi. A modernização manifestou-se sobretudo na mídia. Entre 1919 e 1922, o nível de consumo cresceu 160%, sinalizando a presença da propaganda e do marketing, em crescimento acelerado desde 1907: a circulação de jornais saltou de 1.630.000, em 1905, para 6.250.000 em 1924; e a produção cinematográfica, na segunda metade da década de 20, só perdia em quantidade para os Estados Unidos.
Assim, um meio de comunicação de massa passava a alimentar o outro. A tragédia da guerra arrefeceu esse impulso, mas a recuperação veio com força, como o comprovam os números expostos por Nazareno.
País do mangá, do UKYO-E, do mundo flutuante, uma verdadeira image factory, como dizia Donald Ritchie, como imaginar o futuro da mídia japonesa ? A velocidade vertiginosa com que se ampliam e diversificam os suportes eletrônicos, internet fixa e móvel, TV digital, a capacidade crescente de identificar os desejos e expectativas do  consumidor individual – nunca se produziu tanto e se consumiram tantas imagens – traz desafios para todo os países e culturas. O Japão, berço de boa parte da tecnologia que alavancou essa expansão, está bem posicionado para enfrentar o futuro. Cabe a nós, brasileiros, estarmos atentos para essa junção histórica.

Para ler a obra,  clique aqui.

 

Mídia no Japão

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